domingo, 23 de julho de 2017

Mudanças climáticas, ciência e justiça social


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...Fiz a comida. Achei bonito a gordura frigindo na panela. Que espetaculo deslumbrante! As crianças sorrindo vendo a comida ferver nas panelas. Ainda mais quando é arroz e feijão, é um dia de festa para eles.
Antigamente era a macarronada o prato mais caro. Agora é o arroz e feijão que suplanta a macarronada. São os novos ricos. Passou para o lado dos fidalgos. Até vocês, feijão e arroz, nos abandona! [...] Vejam só. Até o feijão nos esqueceu. (JESUS, 1963, p. 38)[1].

Este é um relato de 23 de maio de 1958 do diário de Carolina Maria de Jesus, publicado como livro, "Quarto de despejo: diário de uma favelada", pela primeira vez em 1960.

Carolina aborda em seu diário uma série de problemas sociais que uma pessoa negra e favelada convive em seu dia a dia. Um destes problemas são os alimentos, e como o acesso a eles, mesmo que a gêneros simples como arroz e feijão, costuma ser volátil a determinadas condições sociais, como principalmente a sua.

A época de Carolina se contradiz com o hoje; mas por sua data, e não por seu relato: 1958 é deste modo um tipo de presente e ainda futuro para muitas famílias. Uma pesquisa de 2016 realizada pelo Greenpeace Brasil também aborda essa volatilidade de acesso a gêneros alimentícios básicos nos dias atuais, responsabilizando o fenômeno a mudanças climáticas brasileiras, no entanto destacando que estas vão agravar as desigualdades sociais no país nos próximos anos.

O Brasil é uma potência agrícola mas depende de fatores naturais para manter suas produções. A pesquisa realizada no país segue seu curso inovando cada vez mais os meios de produzir alimentos contornando esses fatores que nem sempre são imprevisíveis. No entanto, em um país com tantos problemas sociais como este, determinados ramos de pesquisa, como meios de acabar ou pelo menos desacelerar o aumento da desigualdade social causado pelo clima, parece ser um luxo incapaz de se realizar, sendo muitas vezes preferido desenvolver tecnologias que estão longe de trazer benefícios diretos para grupos sociais menos privilegiados como os de Carolina.

Atualmente é forte a ideia de que a tecnologia, quando bem utilizada - e que aqui entendamos "bem utilizada" aquilo que possa garantir os direitos humanos das pessoas -, pode ser uma importante ferramenta para o combate às desigualdades sociais e fazer uma economia crescer. De outro modo, limitar o acesso a novas tecnologias, ou incentivar certos ramos e outros não, e neste caso ignorar aquilo que não o afeta negativamente a curto prazo em relação às mudanças climáticas, as distorções sociais tendem a piorar.

Alguns setores da sociedade brasileira têm mais condições de se beneficiar das pesquisas e guiam os avanços tecnológicos, enquanto que outros setores mais pobres não possuem todo esse direito de atuação. O simples fato de em determinados assuntos a ciência, em sua pesquisa, não estar apontada para este último grupo, e muitas vezes consciente disso, nos revela um futuro já previsto, mas também conhecedor do que transforma ou não a realidade de indivíduos diretamente vulneráveis.

A promoção de iniciativas de acabar com o desmatamento, realizar atividades preventivas e promover meios de produzir sem aumentar a temperatura e mudar os climas é o principal discurso, mas antes deveria ser uma das questões de justiça social, pois, no Brasil, a população mais afetada pode ser justamente a mais pobre e a mais esquecida.
...Para mim o mundo em vez de evoluir está retornando a primitividade. Quem não conhece a fome há de dizer: 'Quem escreve isto é louco'. Mas quem passa fome há de dizer:
— Muito bem, Carolina. Os generos alimenticios deve ser ao alcance de todos. (JESUS, 1963, p. 34)[1].

E quase sempre incompreendida por aqueles que norteiam, a olhos de muitos de maneira errante, a ciência e a pesquisa no País.

Nota

1. Ambas as citações referentes ao livro Quarto de Despejo respeitam a escrita da autora Carolina Maria de Jesus.

Este texto se trata de uma das atividades avaliativas da disciplina Tópicos Especiais de Humanidades. Falta umas pontes neste texto, mas tudo bem postar assim mesmo.

Referências e bibliografia

JESUS, Carolina Maria de. Quarto de Despejo: diário de uma favelada. Edição Popular, 1963. 160p.

GREENPEACE. E agora, José? – O Brasil em tempos de mudanças climáticas. Disponível em: <http://www.greenpeace.org/brasil/Global/brasil/documentos/2016/E%20agora,%20Jose%cc%81.%20Completo.%20Greenpeace%20Brasil.pdf>. Acesso em 5 de jul de 2017.

AMARAL, Rodrigo. Bem utilizada, ciência pode reduzir desigualdade. Disponível em: <http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2002/020813_eleicaoct4ropp.shtml>. Acesso em 5 de jul. de 2017.